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Goiânia, GO, Brazil
Pastor Metodista, Bacharel em Teologia, Posgraduado em Estudos Wesleyanos, Doutor em Ministério, Licenciado em Letras, Adesguiano, Capelão Militar RR (CBM/PA), Presidente da ACMEB - Associação Pró Capelania Militar Evangélica do Brasil, conferencista e escritor.
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CAPELANIA CARCERÁRIA: Contribuição de João Wesley

Rev. Aluísio Laurindo da Silva

Artigo preparado em cumprimento às exigências da Pós-Graduação em Estudos Wesleyanos

Universidade Metodista de São Paulo


“... los prisioneros necesitan más que nadie ser visitados, porque a menudo están solos y olvidados por el resto del mundo”. (João Wesley)


INTRODUÇÃO

A expressão Capelania Carcerária é sinônima de Pastoral Carcerária, sendo esta última de uso relativamente recente, cujo emprego mais freqüente ocorre predominantemente no âmbito da Igreja Católica, pelo menos no Brasil.

Na Inglaterra do Século XVIII já existia uma Capelania Carcerária de vez que os estabelecimentos de reclusão penal contavam com os serviços religiosos oferecidos por intermédio da figura do capelão, um clérigo anglicano que cuidava dos serviços pastorais relacionados aos presos, serviços geralmente sediados nas capelas institucionais.

A palavra Capelania se refere ao cargo exercido pelo capelão e recebe sua adjetivação de acordo com o público alvo do seu ministério. Daí Capelania Carcerária ter origem no trabalho que o capelão realiza junto aos encarcerados ou presos. O autor prefere usar a expressão Capelania Carcerária, por ser de largo emprego internacional, inclusive na América Latina, além identificar um campo semântico que abrange as figuras do capelão, da capela e do encarcerado.

João Wesley chegou a exercer o cargo de capelão quando esteve na Geórgia (1735-1738), por nomeação do General Oglethorp. Antes, porém, de viajar para lá, desenvolveu esse ministério de forma voluntária junto a diversas prisões da Inglaterra, o que significa ter ele exercido o ministério da Capelania Carcerária. Um colega seu, Willian Morgan, pioneiro do Clube Santo, já desenvolvia atividades religiosas junto aos presos antes de João Wesley ser envolvido nesse serviço. E foi Willian Morgan quem conseguiu – não sem muitos esforços – introduzir João Wesley nesse tipo de missão, fato que aconteceu em 1730, ano quando ele inicia suas visitas às prisões (BARBOSA, p.289). O local escolhido foi a Prisão do Castelo e a data o dia 24 de agosto daquele ano, marco inicial do envolvimento de João Wesley com essa obra, denominada por Duncan A. Reily de “capelania não oficial” (REILY, p.162).

Foi muito grande o envolvimento de Wesley com a Capelania Carcerária: “Durante 9 meses, a partir de setembro de 1738, ele (JoãoWesley) visitou ou pregou nas cadeias de Londres, Bristol e Oxford não menos do que 69 vezes” (REILY, p.162). Os registros biográficos de Wesley que incluem seu trabalho nas prisões oferecem indicativos que demonstram ter ele exercido a Capelania Carcerária até o final de sua vida, de maneira muito freqüente e intensa, conforme verificamos no presente ensaio.

A ocorrência de crimes na Inglaterra do Século XVIII era generalizada, a legislação punia os criminosos de maneira muito severa e desumana, inclusive com a pena de morte. Os magistrados e o sistema penitenciário deixavam muito a desejar; enquanto isso, a população carcerária superlotava as prisões.

Wesley se envolveu com a evangelização e apascentamento dos presos a partir de sua primeira visita a Prisão do Castelo, em Oxford. A experiência pastoral que teve com o trabalho realizado junto a um réu condenado à morte marcou para sempre seu coração de pastor e evangelista.

O presente trabalho pretende identificar e analisar, ainda que de forma panorâmica e resumida, aspectos da Capelania Carcerária desenvolvida por João Wesley, bem assim apontar contribuições por ele oferecidas em diversas áreas desse mister, articulando-as à missão da Igreja Metodista no Brasil atual.

I. BASES BÍBLICO TEOLÓGICAS

Ao comentar Mateus 25:36 Wesley redige a seguinte nota: “...los prisioneros necesitan más que nadie ser visitados, porque a menudo están solos y olvidados por el resto del mundo” (GONZALES, p.389). Entende, pois, que a condição de solidão e o esquecimento a que estão sujeitos os presos colocam-nos na cabeça da lista do ministério da visitação cristã. Já ao explicar Hebreus 13:3 (GONZALES, p.366), Wesley apresenta duas justificativas que devem motivar a constante lembrança dos presos por parte dos cristãos: a primeira se relaciona ao vínculo corpóreo existente entre os cristãos alvo da epístola e os presos que deveriam ser por eles lembrados (sem ficar clara a condição espiritual e civil daqueles presos). Tal entendimento é fortalecido com o compromisso solidário num grau de empatia que pressupõe a idéia dos cristãos virem a se achar presos com eles também. Assim, Hebreus 13:3 completa Mateus 25:38: os presos devem ser alvo da atenção, presença e missão da Igreja, a qual se identifica com eles e se coloca a serviço deles, como se Igreja fossem e como se presa estivesse.

Outra referência bíblica de relevante valor é o texto de Êxodo 23:9 utilizado por Wesley quando pregou aos prisioneiros franceses em 15 de outubro de 1759, na localidade de Knowle, perto de Bristol. Nesse caso, o texto sagrado foi evocado dentro de um contexto em que se reivindicava o direito que prisioneiros tinham a um tratamento, no mínimo, humanitário, tomando-se por referência a legislação mosaica disciplinadora da maneira como os peregrinos e estrangeiros encontrados em território israelense deveriam ser tratados. Assim, tanto Wesley visava consolar os soldados franceses, quanto exortar as autoridades inglesas responsáveis por eles, uma vez que foram feitos seus prisioneiros de guerra.

Além dos textos bíblicos acima referidos há outros que foram utilizados por Wesley quando redigiu u’a mensagem específica que ele preparou para ser lida (ou ouvida) por todo aquele que estivesse no corredor da morte. O título do documento é A um réu (GONZALES, p.259). Seu conteúdo versa a respeito dos temas mais importantes que o condenado deveria tomar conhecimento a fim de decidir sobre sua sorte na eternidade. O texto é breve e seu tom é de urgência. Os assuntos são abordados com o máximo de objetividade, clareza e racionalidade. A mensagem da salvação é apresentada dentro de um escopo teológico inclusivo em que a graça de Deus tem por alvo os criminosos totalmente rejeitados e cruelmente expulsos do convívio social. O tempo de espera no corredor da morte era por demais curto, mas, mesmo assim, entre o dia da conversão do criminoso a Cristo e o momento de sua execução, os frutos de sua nova fé deveriam ser demonstrados mediante a santificação de sua vida. Além de servir à evangelização do réu, a mensagem de Wesley visava também sua consolação e preparação para enfrentar o terrível momento em que a pena capital lhe seria aplicada.

Percebe-se a perícia wesleyana presente em A um réu no tocante à escolha dos temas. Resumem-se a seis enfoques os quais refletem sobre questões que, em tese, mereciam o interesse de todo prisioneiro condenado à morte. Pode-se presumir que o documento em apreço reflita, em parte, a experiência de Wesley no exercício de sua capelania junto a tal tipo de público, isto é, as questões abordadas e o modo como são expostas certamente resultaram de necessidades constatadas por Wesley durante as inúmeras visitas e atendimentos pastorais junto às prisões ao longo do seu ministério, inclusive de assistência ao réu durante o processo de sua execução.

O resumo dos tópicos apresentados por Wesley em sua mensagem A um réu é o seguinte:

1) Explicação ao réu sobre o significado da morte (do ponto de vista do próprio réu) de um condenado à pena capital e sua preparação para enfrentar o momento fatídico de sua execução;

2) Orientações ao réu condenado à morte sobre a maneira como deveria se preparar para seu encontro com Deus, a quem haveria de prestar contas da vida, logo após ter sofrido a execução da pena capital;

3) Orientações práticas sobre o arrependimento dos pecados como parte da preparação do réu interessado em conseguir a salvação de sua alma;

4) Apresentação ao réu de argumentos comprobatórios da total impossibilidade que ele tinha de salvar-se a si mesmo da condenação eterna após o cumprimento da condenação terrena;

5) Apresentação de Jesus Cristo como único meio de salvação a ser aceito pela fé, por parte do réu; ênfase especial é colocada na pessoa de Jesus, Cordeiro de Deus que realizou um sacrifício vicário, reconciliador e vitorioso sobre a morte; e

6) Orientações práticas relacionadas ao comportamento cristão do condenado convertido a Cristo, as quais deveriam ser observadas por ele desde o momento de sua conversão até sua execução sumária.

Por fim, convém seja lembrado que A um réu se embasa em mais de dezesseis registros bíblicos os quais são citados ou referenciados por Wesley com precisão inigualável, dando aos seus argumentos a consistência necessária a qualquer criminoso que tivesse o mínimo de interesse pela salvação de sua alma. As passagens bíblicas presentes em diversos momentos do texto obedecem a ordem relacionada a seguir: Hebreus 12:14; Filipenses 2:5; I João 2:6; Mateus 22:37 e 38; Mateus 7:12; Ezequiel 18:4; I Tessalonicenses 1:9; Apocalipse 19:20; Marcos 9:44; Lucas 10:42; Atos 16:31; João 1:29; Filipenses 4:7; Lucas 1:46 e 47; Romanos 5:5 e Lucas 23:43.

II. BASES METODOLÓGICAS

O trabalho de Capelania Carcerária realizado por João Wesley observou princípios de organização e métodos muito avançados para os seus dias, como se pode constatar no quadro informativo abaixo: 1

1) A elaboração de um Plano de Trabalho baseado nas necessidades, localização e circunstâncias em que se achavam os presos (a exemplo do que foi desenvolvido na Prisão do Castelo, em Oxford, a partir de 1729). O Plano de Trabalho da Capelania Carcerária, incluía, dentre outros, os seguintes itens:

a) Visitação aos presos para fins de evangelização e assistência pessoal; aos que se achavam no corredor da morte o acompanhamento pastoral incluía o momento da execução do preso;

b) Assistência Pastoral, Jurídica e Social;

c) Celebração de culto;

d) Celebração da Ceia do Senhor;

e) Capacitação de lideranças leigas (dos próprios presos convertidos ao Evangelho) para auxiliar na direção do trabalho religioso junto aos seus colegas;

d) Alfabetização;

e) Calendário de atividades; e

f) Outros.

2) A obtenção de autorização governamental através do Capelão oficial (chamado Gerard, no caso de Oxford), o que tornava oficial a existência do serviço de capelania voluntária e o credenciamento dos seus responsáveis;

3) Utilização de espaços físicos do próprio estabelecimento de reclusão e, às vezes, das capelas carcerárias;

4) Utilização da Bíblia (existia uma Bíblia na Prisão do Castelo, presa por uma corrente, mas à disposição da população carcerária) e de literatura específica preparada pelo próprio Wesley (a exemplo da mensagem A um réu);

5) Recursos financeiros destinados ao custeio das despesas realizadas em função das atividades da Capelania, formados a partir de contribuições pessoais, inclusive do próprio Wesley. Era u’a missão de sustento próprio;

6) Estratégias específicas de utilização de obreiros metodistas leigos que realizaram um trabalho magnífico nas prisões, a exemplo do longo ministério exercido pela irmã Sarah Peters, em S. Just, a qual veio a falecer no final da década de 1740 (GONZALES, pp.265 – 274), do irmão Silas Told (1711-1778), marinheiro reformado nomeado por Wesley para dirigir a Escola de Caridade de Foundry e cuidar do trabalho do Senhor junto aos presos daquela localidade (BUYERS, pp.96-97), além de muitos outros.

O espaço e a natureza do presente trabalho não permitem uma exposição mais detalhada a respeito do Plano de Trabalho de Capelania Carcerária desenvolvido por Wesley e suas equipes. Porém, é enriquecedor – e causa enorme admiração - saber-se que as cadeias de Londres, Bristol e Oxford foram visitadas 69 vezes durante 9 meses somente por João Wesley. Sua maneira de evangelizar os presos incluía a pregação pública, a abordagem pessoal, a utilização de literatura específica, a referência a narrativas pessoais de conversão e testemunho cristão. Além disso, há registro de que ele ia junto com o réu em direção ao local onde a sentença de morte seria executada! Assistia o réu até seu momento final de vida neste mundo!

III. DIMENSÃO SOCIAL E HUMANITÁRIA

As referências aos estabelecimentos de reclusão penal do Século XVIII são assustadoras e provocadoras de um incontido sentimento de indignação. Estavam sempre superlotadas, eram mal administradas, fétidas, desumanas... Os presos eram maltratados e os carcereiros se envolviam com a corrupção a fim de auferirem vantagens pessoais dos cargos que exerciam. Além do mais, presos com sentenças já cumpridas continuavam “mofando” e recebendo um tratamento animalesco nas verdadeiras “jaulas” em que eram confinados!

Era corrente a teoria da irrecuperabilidade dos réus, os quais mereciam o castigo que a lei lhes aplicava, sendo que quanto mais tempo ficassem na prisão, melhor pagariam seu castigo. Lord Oglethorp “... conhecedor das condições das prisões, dirigiu um inquérito parlamentar em 1729. O inquérito revelou abusos horríveis, e o Parlamento aprovou leis para melhorar o estado geral das prisões...” (REYLE, p.162)

As leis penais inglesas, além de parciais, eram excessivamente brutais quanto à penalização dos criminosos, sobretudo no tocante à aplicação da pena de morte. Fitchett afirma que havia 253 tipos de ofensas a que o código aplicava a pena de morte:

“Seria enforcado quem fizesse dano à ponte de Westminster; quem matasse uma lebre, cortasse uma árvore nova ou furtasse cousa que valesse cinco shillings, seria enforcado. Em data tão recente como 1816 havia de uma vez em Newgate cincoenta e oito pessoas sob sentença de morte, e uma delas era criança de dez anos. Romney conta de dois homens associados no mesmo crime de roubo, que foram julgados. Um deles moveu a compaixão dos jurados, e o acharam culpado do roubo de 4s. e 10 d; o outro foi achado culpado do furto de 5s, e aqueles dois pences de diferença resultaram fatalmente para ele. Esta quantia mediu a diferença entre a vida e a morte!” (FITCHERTT, p.340).

Paul E. Buyers oferece um número menor de crimes punidos com pena de morte, mas pinta um quadro igualmente horrível relacionado ao assunto:

“O código civil e penal era severo demais. Como a classe superior governava as classes inferiores, sem conhecer as suas condições e sem se simpatizar com a sua sorte, não é de admirar que o código penal fosse coisa terrível. Havia no código penal enumeração de cento e sessenta crimes sujeitos à pena de morte. O dr. Sydney, falando sobre isso, disse: ‘Furtar um cavalo ou uma ovelha, arrancar qualquer objeto de valor das mãos de um homem e fugir, furtar o valor de cento e cincoenta cruzeiros numa casa particular ou vinte e cinco cruzeiros numa loja, tirar da bolsa de alguém cinco cruzeiros, todas essas ofensas eram punidas com a pena de morte’.

Na primeira parte do século dezoito, setenta e sete criminosos sofreram a pena de morte e só dezoito deles eram homicidas. Não era coisa estranha ou extraordinária testemunhar a execução da sentença de morte de dez ou doze pessoas numa só ocasião. A forca era um dos instrumentos de morte, mas se usavam outros meios mais cruéis ainda: pesos de ferros ou de pedras no peito do réu deitado de costas. Algumas pessoas, incluindo mulheres, foram queimadas” (BUYERS, p.14)

No dia 3 de outubro de 1739 João Wesley visitou e descreveu a situação das prisões da cidade de Oxford. Eis o quadro:

“QUARTA-FEIRA, 3 DE OUTUBRO. Tive um tempo livre para ver a situação desastrosa das coisas aqui. Os pobres prisioneiros, tanto no Castelo como na Prisão da Cidade, não têm agora ninguém que cuide de suas almas, ninguém para instruí-los, aconselhá-los, consolá-los e edificá-los no conhecimento e amor do Senhor Jesus. Ninguém se oferecia para visitar os centros de trabalho, onde também poderíamos nos reunir com o maior sentido de compaixão. [tradução nossa]” (GONZALES, p.123)

Diante das leis penais injustas e desumanas, diante do quadro infernal que dominava as cadeias e presídios, o Capelão Wesley não cruzou os braços nem desanimou. Além do que fez pessoalmente junto aos próprios presos e às autoridades, procurou conquistar para o Reino de Deus os carcereiros que, uma vez discipulados à luz do metodismo wesleyano, ofereceram uma inestimável contribuição para com a reforma e humanização dos estabelecimentos de reclusão penal. Foi, sem dúvida, uma estratégia muito feliz utilizada por Wesley para alcançar tal objetivo.

A transformação que aconteceu na cadeia Newgate, em Bristol, em decorrência da conversão do seu carcereiro, o Sr. Dagge, foi tão significativa que houve por bem a Wesley noticiá-la ao Redator do London Chronicle, nos idos de 2 de janeiro de 1761. O texto é possuidor de dados de tamanha relevância para essa dimensão do trabalho do Evangelho que merece um espaço especial nos documentos pertinentes ao assunto. Ei-lo:

“De todos os lugares de sofrimento fora do inferno, poucos, suponho, superam ou nem sequer se igualam à prisão de Newgate. Se algum lugar de horror pode superá-lo faz alguns anos, Newgate em Bristol o fez; tanta era a falta de higiene, a peste, a miséria, e a maldade que escandalizavam a todos os que todavia tinham um pouco de humanidade. Quão surpreso fiquei, por certo, quando estive ali há poucas semanas!

“Toda parte da cadeia, no 1o andar e no andar térreo, e mesmo no porão onde os réus se prendem de noite, está tão limpa quanto a casa dum “gentleman”, sendo uma regra que cada preso lave e limpe o seu apartamento duas vezes por semana.

1. Aqui não há briga. Se alguém se julga ofendido, a causa é imediatamente referida ao carcereiro, que ouve os dois, face a face, e resolve a questão duma vez.

2. Os motivos usuais para a discussão não existem; porque é raro alguém lesar ou roubar um outro, sabendo que, sendo descoberto, será mais restrita a sua clausura.

3. Aqui não se permite embriaguez, ainda que seria vantajoso ao carcereiro (que poderia cobrar um preço exorbitante pela bebida) e ao taberneiro.

4. Não há prostituição, sendo as prisioneiras cuidadosamente observadas e separadas dos homens, e nenhuma mulher da cidade admitida como prostituta por preço algum.

5. Todo o cuidado possível é tomado para evitar a ociosidade; para aqueles que querem trabalhar no seu ofício, providenciam-se as ferramentas e os materiais, em parte pelas esmolas que lhes são dadas de vez em quando, as quais são divididas com perfeita imparcialidade. Assim, neste momento (2 de janeiro de 1761), um sapateiro, um alfaiate, um caldeireiro, e um fabricante de carruagens trabalham nos seus respectivos ofícios.

6. No dia do Senhor, eles nem trabalham nem se divertem, mas se vestem tão limpos quanto possível, para assistirem ao culto público, ao qual toda pessoa debaixo do teto está presente. Não se dispensa ninguém a não ser por doença; neste caso, o doente recebe tanto o conselho como o remédio.

7. Para ajudá-los espiritual e temporalmente, eles ouvem um sermão todos os domingos e quinta-feiras. Uma grande Bíblia está presa por uma corrente em um lado da capela, à disposição de qualquer preso.

Pela bênção de Deus com estas regras, o cárcere tem um novo ambiente: nada ofende nem ao olho nem ao ouvido; e tudo tem a aparência de uma família quieta e séria. Não merece o carcereiro de Newgate ser lembrado tão plenamente como aquele famoso ‘homem de Ross’? Que o Senhor se lembre dele naquele da! Porventura, não haverá outro que siga seu exemplo?” (GONZALES, p.1-2)

Além dos esforços empreendidos por Lord Oglethorp, por Wesley e outros colaboradores, jamais pode ser esquecido o trabalho realizado por João Howard que, mesmo sem pertencer às sociedades metodistas, foi grandemente influenciado pelo movimento wesleyano. É considerado o principal líder promotor das reformas das prisões da Inglaterra. Do grande espaço que lhe é dedicado por Duncan A. Reily, extraio o seguinte comentário: “...Ele recebeu a nomeação de ‘High Sheriff of Bedfordshire’ (uma espécie de Secretário de Segurança Pública) no ano de 1774. Tomando muito a sério o seu cargo, ele visitou praticamente todas as cadeias da Inglaterra durante o primeiro ano e descobriu muitos dos mesmos abusos achados antes pelo inquérito paralamentar de 1729. Howard determinou corrigi-los” (REYLE, pp.163-164). O restante do texto confirma os excelentes resultados alcançados, tanto através de leis que trataram do salário dos carcereiros e das medidas sanitárias humanizadoras das prisões, quanto do impactante efeito do seu livro intitulado O Estado das Prisões, publicado em 1777, cuja influência resultou na reforma geral dos estabelecimentos prisionais ingleses. Howard possuía uma verdadeira paixão pela causa dos presos!

IV. CONTRIBUIÇÕES WESLEYANAS PARA A CAPELANIA CARCERÁRIA BRASILEIRA

1) Uma visão panorâmica da situação brasileira

Apesar da distância temporal que nos separa de João Wesley e seu Século e a despeito dos avanços culturais que a Humanidade alcançou nos últimos anos, a criminalidade não cessou, a plena humanização das leis e dos estabelecimentos prisionais ainda não aconteceu, o tratamento dispensado aos presos por parte das autoridades ainda está longe de ser classificado de satisfatório.

No tocante ao Brasil, as perspectivas quanto ao futuro não são muito alentadoras, sobretudo quando considerados os fatores complicadores e agravadores das condições sociais reinantes atualmente. O desemprego, o tráfico e uso indevido de drogas, o alcoolismo, o desemprego, a imoralidade e uma série de outros agentes geradores de violência de morte sinalizam o agravamento do cenário social nacional, em especial quanto ao aumento da criminalidade.

Têm-se noticiado alhures que a população carcerária brasileira já ultrapassou a casa dos 200.000 presos, sendo que a maioria deles é gente jovem, abaixo de 30 anos de idade. A legislação penal brasileira carece de atualizações, tendo a seu favor o fato da não existência da pena de morte; a superpopulação carcerária é fato notório e noticiado freqüentemente pelos meios de comunicação de massa. A relação preso-agente penitenciário-policial-carcereiro está longe de alcançar um patamar razoável, em tese.

O trabalho desenvolvido em relação aos presos, tanto por João Wesley, seus auxiliares e simpatizantes do movimento metodista do Século XVIII, se conectado e contextualizado à nossa realidade, tem uma inestimável contribuição a nos oferecer, sobretudo pelos fatores favoráveis próprios de nossa época.

No Brasil, como é notório, as organizações religiosas das mais diversas confissões têm sido solicitadas a colaborar com a Sociedade e o Poder Público no tocante ao trato das questões pertinentes ao preso. O efetivo atendimento a esse premente desafio deve levar em conta alguns fatores referenciais, pois eles oferecem pistas facilitadoras ao planejamento e atuação da Igreja nesse campo missionário que exige tratamento diferenciado.

1) Fatores Favoráveis ao recebimento das contribuições wesleyanas

a) O favorecimento da documentação internacional relacionada aos Direitos Humanos:

ü Carta das Nações Unidas, adotada e aberta à assinatura pela Conferência de São Francisco em 26.06.1945 e assinada pelo Brasil em 21.01.1945;

ü Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução n. 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10.12.1948 e assinada pelo Brasil na mesma data;

ü Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, adotado pela Resolução n. 2.200 A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 16.12.1966, assinada pelo Brasil em 24.01.1992;

ü Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela Resolução n. 2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 16.12.1992, assinada pelo Brasil em 24.01.1992;

ü Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Resolução n. 39/46, da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10.12.1984, assinada pelo Brasil em 28.09.1989;

ü Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, adotada pela Resolução n. 34/180 da Assembléia Geral das Nações Unidas em 18.12.1979, assinada pelo Brasil em 12.02.1984;

ü Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, adotada pela Resolução n. 2.106 A (XX) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 21.12.1965, assinada pelo Brasil em 27.0003.1968; e

ü Convenção sobre o Direitos da Criança, adotada pela Resolução L.44 (XLIV) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 20.11.1989, assinada pelo Brasil em 24.09.1990.

b) O favorecimento da Constituição Federal:

a. “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

“...XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;

XLVII – não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;

XLVIII – a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com

a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;

XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

L – às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação;”

Q.V. ainda do inciso LI ao LVIII do mesmo Artigo.

c) O favorecimento da Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210, de 11/07/1984, Seção VII, Da Assistência Religiosa):

“Art. 24. A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa.

§ 1o No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos religiosos.

§ 2o Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade religiosa.”

d) O favorecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei N. 8.069, de 13/07/1990, Seção VII, Da Internação):

“Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:

XIV – receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje:”

e) O crescente interesse no assunto por parte da sociedade civil organizada;

f) O crescente interesse das autoridades;

g) A experiência e os resultados positivos obtidos pelas Igrejas no trabalho que vêm desenvolvendo junto aos presos ao longo de décadas no Brasil;

h) As possibilidades de parceria através dos caminhos abertos pelo movimento ecumênico;

i) O apoio das organizações religiosas especializadas em trabalhar com filmes, literatura específica para presos, cursos de qualificação profissional, palestras educativas, etc.

j) A força reivindicatória que as organizações religiosas no Brasil têm adquirido em decorrência do crescimento das Igrejas e da existência de um número cada vez maior de evangélicos ocupando cargos de liderança nas esferas Nacional, Estaduais e Municipais do Poder Público do Brasil.

k) Os recursos tecnológicos a serviço da ação pastoral;

l) A Sociedade Bíblica do Brasil e a literatura bíblica apropriada ao trabalho com os presos;

m) Os Cursos de Capacitação de Obreiros (clérigos e leigos) para a Capelania Carcerária;

n) Literatura destinada ao esclarecimento e à educação continuada de Obreiros que trabalham na Capelania Carcerária 2;

o) A existência de voluntários para a Capelania Carcerária;

p) Outros.

2) Exemplificação de uma contribuição wesleyana

Dentre a imensa contribuição que João Wesley nos legou e com o olhar missionário direcionado aos vastos campos de missão existentes em cada reclusão penal existente no Brasil, podem-se registrar sua contribuição específica à Capenalia Carcerária brasileira que, de forma direta ou indireta, se faz refletir nas propostas abaixo:

1) A doutrina da graça oferecida a todos os pecadores, inclusive os presos;

2) A crença de que o preso é recuperável;

3) A luta em prol da construção e manutenção de estabelecimentos de reclusão penal humanizados, possuidores do mínimo de conforto de que faz jus o preso em virtude da própria dignidade humana;

4) A luta em prol da contínua humanização das leis penais e de execução penal;

5) A evangelização do preso através de métodos adequados à sua situação de restrição da liberdade física, mas favoráveis à sua libertação e crescimento enquanto integrante do Reino de Deus;

6) A formação de pequenos grupos de discipulado cristão;

7) A capacitação de presos convertidos ao Evangelho e que tenham vocação para liderança a fim de auxiliarem na condução dos serviços religiosos da sua instituição penal;

8) A oficialização dos serviços de Capelania Carcerária;

9) A construção de capelas nos espaços comunitários dos estabelecimentos de reclusão penal;

10) O credenciamento de capelães, inclusive através de concurso público ou nomeação pela autoridade competente;

11) O estabelecimento de coordenações locais, estaduais e nacionais da Capelania Carcerária, tendo por fim o fortalecimento da missão, a socialização dos recursos, a unidade programática, as reivindicações de apoio institucional, governamental e não governamental, inclusive das denominações cristãs;

12) A publicação de material evangelístico e de crescimento específico para os presos;

13) O oferecimento de oficinas de artes musicais e artísticas de um modo geral;

14) Um plano de assistência pastoral e social que contemple a individualidade do preso, incluindo sua preparação para o retorno ao convívio da família e da sociedade, bem assim um trabalho feito junto à família do preso, à sua futura Igreja e à sociedade que haverá de recebê-lo de volta (em geral a família do preso e a sociedade têm dificuldade de aceitar o egresso do sistema penitenciário);

15) Incluir no campo de atuação da Capelania Carcerária a família do preso e a família da vítima;

16) Oferecer um programa especial de assistência espiritual e religiosa aos carcereiros, guardas penitenciários, policiais, diretores e outros funcionários dos estabelecimentos de reclusão penal;

17) Apresentação de relatórios às autoridades competentes, à sociedade em geral e às Igrejas a respeito das atividades desenvolvidas pela Capelania Carcerária;

18) Articular com quem de direito a realização de trabalhos preventivos principalmente junto às crianças, adolescentes e jovens tendo por objetivo o seu não envolvimento com os caminhos da criminalidade. (Trata-se de um trabalho que visa convencer que o crime não compensa, sob nenhuma hipótese); e

19) Oportunizar aos detentos e presos o conhecimento da Bíblia; dentro do possível, providenciar para que cada um possua seu próprio exemplar.

CONCLUSÃO

O caminho percorrido pelo autor incluiu diversas fontes bibliográficas como se pode constatar. Porém, o assunto não se esgotou. Todavia, os resultados alcançados se constituem num quadro de referências que comprovam o quanto Wesley, seus auxiliares e simpatizantes fizeram pela causa dos presos. É inegável também a extensão internacional dos benefícios oriundos da obra que realizaram.

Num mundo cheio de tantas religiões, não seria arrogância enfatizar o papel social que Wesley atribuiu ao Cristianismo, tese que ele demonstrou através das obras de misericórdia que realizou junto aos presos (no caso em pauta), de 1729 até o final de sua vida. Não! Não parou ai! A influência social de sua pessoa e obra ultrapassaram o Século XVIII e chegaram até nós.

A dedicação pessoal de João Wesley à causa dos presos, além de harmonizar-se com seu discurso, é um exemplo possuidor daquela força carismática que penetra até os porões sub humanos e imundos do nosso mundo; ali tal força se transforma em luz que ilumina as consciências, aquece os corações e faz ressurgir a esperança, a paz, o amor, a fé, a alegria, a vida, enfim! Por isso mesmo, o recado final deve ser dele, como se à nossa frente caminhasse na direção da população carcerária ansiosa por receber a graça de Deus:

“Segunda-feira, 15 de outubro de 1759

Andei a pé até Knowle, boa milha distante de Bristol, para visitar os prisioneiros franceses. Mais de mil e cem, segundo fomos avisados, estavam reunidos num pequeno espaço, sem cousa alguma em que deitar, senão colchões de palha, e sem cobertores; para se cobrirem só tinham alguns trapos, quer de dia quer de noite, portanto, morreram como se fossem ovelhas atacadas de morrinha. Fiquei horrorizado; à tarde preguei sobre Êxodo 23:9: “Não oprimirás o peregrino; pois vós conheceis o coração do peregrino, visto que fostes peregrinos na terra do Egito”. Levantou-se uma coleta que rendeu dezoito libras, e no dia seguinte chegou a vinte e quatro. Com esta quantia compramos roupa de cama, cobertores, e pano, que foi convertido em camisas e calças; compraram-se também algumas dúzias de meias, e tudo isto foi distribuído entre aqueles mais necessitados. Logo depois a Congregação de Bristol mandou grande número de colchões e cobertores; e não demorou para chegar de Londres outras contribuições; e ainda mais; vieram contribuições de várias partes do reino. Portanto, creio que daqui em diante os soldados serão mais bem servidos”. (BUYERS, pp.108-109)

Por fim, bem à moda do Capelão Carcerário Wesley, ouve-se o apelo-convite: Que faremos nós para sensibilizarmos cristãos de outras denominações porventura ainda indiferentes com a dimensão social do Evangelho de Cristo? Ah! Se a maioria dos cristãos evangélicos do Brasil de hoje abraçasse a causa dos presos e de alguma maneira se engajasse nessa missão, certamente estaria dando um sentido horizontal à sua fé e canalizando a graça de Deus na direção de milhares de vidas, escravas e condenadas por diversas vezes e formas, porém, alvos da expressão fraterna e solidária do amor Deus.

“Porque estava preso e fostes ver-me: Jesus”. (Mateus 25:36)

notas:

1) Os seguintes autores oferecem fartas informações sobre as diversas atividades desenvolvidas pela Capelania Carcerária de Wesley e seus auxiliares: Christian History Institute. Os irmãos Wesley: Charles & John, p. 22; Fitchett, W. H. Wesley e seu Século: um estudo de forças espirituais, p. 259-276; REILY, Duncan A. Metodismo brasileiro e wesleyano: reflexões históricas sobre a autonomia. p. 67 e 161-165; BUYERS, Paul E. p. 12-41, 95-96; BUYERS, Paul E. Trechos do Diário de Wesley, p. 109, 174-177; GONZALEZ, Justo (Editor Geral). Obras de Wesley. Tomo VII, p. 259-263; Tomo XI, p 265-274 e Tomo XIII p. 55-65.

2) Relaciono algumas bibliografias pertinentes ao tema: Em 1974 a CNNBB publicou uma série de estudos sob o título Pastoral Carcerária, através das Edições Paulinas e em 1989 ela publicou Elementos para uma Pastoral Carcerária, através das Edições Loyola. Em 1996 a JUERP (Convenção Batista Brasileira), publicou Liberdade para os Presos: Estratégias de evangelização nos presídios e em 1996 a Imprensa Metodista publicou Estive preso e fortes ver-me: Manual prático para o ministério carcerário, da autoria do Rev. Antônio Eustáquio Gomides.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, José Carlos. O Cavaleiro do Senhor. Piracicaba: UNIMEP, 2002. 384 p.

BUYERS, Paul E. História do Metodismo. São Paulo: Imprensa Metodista, 1945. 469 p.

BUYERS, Paul E. Trechos do Diário de Wesley. São Paulo: Imprensa Metodista, 1965. 110 p.

Christian History Institute. Os irmãos Wesley: Charles & John. São Paulo; COGEIME, 2002.

FITCHERTT, W.H. Wesley e seu Século: um estudo de forças espirituais. São Paulo: Imprensa Metodista, 1927. 343 p.

FITCHETT, W.H. Wesley e seu Século: um estudo de forças espirituais. São Paulo: Imprensa Metodista, 1927. 343 p.

GONZALEZ, Justo (Editor Geral). Obras de Wesley. Franklin–Tenessee: Providence House Publishrs, 1996.

REILY, Duncan A. Metodismo brasileiro e wesleyano: reflexões históricas sobre a autonomia. São Bernardo do Campo – SP: Imprensa Metodista. 229 p.

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